Pouco antes do 'feriadão' de Natal (uma invenção brasileira para emendar vários dias seguidos de não-trabalho), o Governo promulgou um nova lei, com o objetivo de coibir o abuso de bebida alcoólica e assim, supostamente, reduzir o imenso número de acidentes fatais ou não, aí pelas estradas da terra de Pindorama. O valor das multas dobrou e outros meios que não só o etilômetro ('bafômetro') passam a fazer parte do arsenal de combate aos excessos. Porém, fica a pergunta: isso funciona? Não! Tanto que os acidentes aconteceram, e mais que no mesmo período do ano anterior.
O Estado brasileiro, com seu longo histórico de vigiar e punir, arrecadar mais, querer mudar comportamentos através de 'penadas' (leis), de repressão muitas vezes arbitrária e violenta por parte de seus agentes públicos, mal pagos e mal preparados para lidar com o cidadão comum (no geral, todos esses são vistos virtualmente como criminosos até que se prove a inocência). O resultado permanece mais ou menos o mesmo: cerca de quarenta mil mortes por ano no matadouro a céu aberto chamado rodovias e ruas, nesse país onde existem mais carros do que vias de trânsito, sem contar os quase meio milhão de sequelados e famílias destruídas pela perda de entes queridos por conta dos paranoicos que não se contêm no consumo da bebida alcoólica ou das drogas, impulsionado pelo elevado calor, e pela mística do carro: um substituto da virilidade, da ostentação, do poder.
Enfim, o problema é grave e tende a se agravar mais a cada 'feriadão' ou mesmo no dia a dia. A coisa toda passa por mudanças outras, como - atrevo-me a opinar! -, inclusão da educação para o trânsito na grade curricular do ensino fundamental e médio, punição severa, sim, para os alcoolizados que causarem mortes ou danos permanentes às vítimas (perda da CNH por prazo limitado ou em definitivo, a critério do juiz que se verá diante do julgamento de um crime doloso, despesas por conta do causador dos danos ao patrimônio público ou privado, e por aí, sem a sanha arrecadatória habitual travestida de punição. 'Filhos de papai', principalmente, não se importam com isso e têm dinheiro para pagar qualquer multa e um bom advogado. Sobretudo, o vício é algo que está além do autocontrole, como todos sabemos!
Da educação para o trânsito à punição dos criminosos vai um percurso gradativo e demorado. Mas não pode haver impunidade nem arbitrariedades. Leis adequadas e procedimentos rápidos e humanos, como um dever do Estado para com parentes e amigos das vítimas. Parar de criar remendos e paliativos, tornar o veículo um simples meio de locomoção e não de ostentação, 'discoteca' ambulante, recurso de intimidação, sedução, poder ou exibição. Mudar a cultura do trânsito no Brasil. Tarefas longas, custosas e difíceis, que os burocratas de Brasília não estão dando conta de resolver por interesses desconhecidos ou incompetência mesmo.
Tornar as cidades locais habitáveis e seguros, pertencentes aos cidadãos e não aos veículos; investir em transporte coletivo de boa qualidade, parar com promessas e discursos vagos, pensar o Brasil do presente e nos interesses nacionais, enfrentar as corporações e os parlamentares a serviço delas ... Se nada for feito, o descrédito crescente na política e nos políticos, no Judiciário e no próprio Estado, certamente levará a uma 'primavera brasileira', à moda brasileira, como de hábito, com a polícia (militar: existe isso em algum outro país?) armada e sem preparo para lidar com o cidadão comum, repito, reprimindo e defendendo, sem o saber, os interesses da tecnocracia remanescente dos tempos da ditadura. E a lógica punitiva - não nos iludamos -, ainda prevalece nas mentes dos que governam!
- por Paulo Santos