A análise da função dos intelectuais deve primeiro definir qual o enfoque dado: se parte-se da situação dada, isto é, da atividade real desenvolvida pelos intelectuais na sociedade concreta ou se a análise tem como fundamento a prescrição, ou seja, como imaginamos, ou queremos, que os intelectuais atuem. Neste sentido, Norberto Bobbio critica intelectuais como Sartre e sua definição de falsos e verdadeiros intelectuais:
“Falsos são os que desempenham uma função que para Sartre é negativa, e é negativa unicamente porque não desempenham a função que segundo ele deveriam desempenhar. Assim, será o verdadeiro intelectual o revolucionário; falso o reacionário; verdadeiro será aquele que se engaja, falso, aquele que não se engaja e permanece fechado em sua torre de marfim.” (BOBBIO, 1997, p. 14)
Engajar-se ou não engajar-se? Quando se engaja, o intelectual não trai o que deveria ser seu papel principal: defensor de princípios como a justiça e a verdade? Mas isto não seria mero universalismo próprio do humanismo burguês (Sartre), a ser ultrapassado por uma postura engajada, já que a época da revolução burguesa passou e a tarefa do intelectual seria justamente construir um humanismo?
Trata-se, em suma, de como a atividade intelectual se relaciona – ou não – com a atividade política. Bobbio defende a posição de que a política e a cultura constituem esferas diferentes da atividade humana, portanto, com autonomia relativa. Há a política ordinária, própria dos políticos e da ação imediatista; e, a política cultural, respeitante à reflexão, aos princípios. As esferas não são necessariamente excludentes, mas são diferentes. Trata-se de definir qual a tarefa que cabe aos intelectuais. Sobre isto, temos diversos posicionamentos, assim resumidos:
“1. o intelectual não tem uma tarefa política, mas uma tarefa eminentemente espiritual (Benda);
2) a tarefa do intelectual é teórica, mas também imediatamente política, pois a ele compete elaborar a síntese das várias ideologias que dão passagem a novas orientações políticas (Mannheim);
3) a tarefa do intelectual é teórica mas também imediatamente política, pois apenas a ele compete a função de educar as massas (Ortega);
4) a tarefa do intelectual também é política, mas a sua política não é a ordinária dos governantes, mas a da cultura, e é uma política extraordinária, adaptada aos tempos de crise (Croce)” (Id., p. 34)
Cada uma destas funções traz em si riscos de degeneração. No primeiro caso, o intelectual é visto como um clérigo e, enquanto tal, tende a afastar-se do mundo, a estranhá-lo. O clérigo tende a desenvolver uma concepção hedonista da cultura e uma visão agnóstica da vida política.
No segundo caso, que vê os intelectuais como indivíduos “acima do combate”, tende-se a desenvolver um certo neutralismo e eticismo abstrato, geradores de ceticismos em relação à política, como se os intelectuais estivessem acima dos pobres mortais, observando “com aristocrático desdém os cães que se pegam a dentadas”. (p. 35)
No terceiro caso, o intelectual é visto como elite dirigente – observe-se que isto ocorre à direita e à esquerda. O elitismo levado às ultimas conseqüências implica um afastamento da política, vista como uma atividade inferior – neste caso, o elitismo de esquerda tem a função contrária: supervalorizar a política. A resultante é um idealismo ingênuo, a crença de que o mundo pode ser transformado pelas idéias. A frustração leva naturalmente ao isolamento, ao recolhimento interior, como uma forma de não sujar as mãos. É um procedimento tipicamente aristocrático.
No último caso, o risco de degeneração é a concentração dos intelectuais em organizações e partidos próprios, isolados dos demais setores da sociedade.
Em todas estas posições observa-se a tendência a elevar os intelectuais acima dos demais grupos sociais, implicando a idéia de uma superioridade intrínseca à sua profissão. Destas posturas, temos dois casos limites:
1º o isolamento do intelectual em seu próprio mundo, em sua torre de marfim;
2º o engajamento (engagement) profundo do intelectual na política.
Ambos os procedimentos tem os seus riscos. Não há respostas simples, nem fáceis.
Referência
BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo, Editora UNESP, 1997.
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