Para falar de gente, de seres humanos, do bicho humano perfectível, apesar de tudo. Do Animal sapiens, mas a partir de agora do "Homo spiritualis", com sua fé e religiosidade muitas vezes confusa, gerando preconceitos, discriminações.

06
Ago 12

A NASA é capaz de fazer pousar um robô em Marte, mas não somos capazes de parar a guerra na Síria ...

publicado por animalsapiens às 12:23

02
Ago 12

Será que a natureza também está em greve ? Os ipês, amarelos, brancos e roxos (cada vez mais raros) já deveriam florescer. No máximo um aqui outro lá, mas nada (ainda) daqueles buquês enormes a despontar no sertão, ao lado de pequizeiros, do buriti e do barbatimão, quando há. A natureza não se defende, mas como se vinga! Ouvi isso há muitos anos em algum lugar, de alguém que já não me lembro. Mas parece ser verdade. De tão maltratada parece que entrou em greve. Os tons de verde estão por aí, aguardando a primeira chuva para se uniformizarem num verde escuro mais forte e dominante.

 

Nas rodovias, caminhões de lenha, de carvão para alimentar os fornos das siderúrgicas. Talvez seja essa a resposta. É comum encontrar dois ou três caminhões de carvão em fila, atrasando o trânsito com aquela carga alta e criminosa que tomba não tomba à nossa frente, fazendo com que a prudência nos faça manter o veículo bem longe deles. A pele da terra vai sendo raspada e a carne sendo retirada e exportada para o Japão, para o Tio Sam, e para alguns países da Europa que ainda têm como comprar. Ferro e aço para manter um discutível progresso. Uma sociedade montada na economia predatória. Explica-se a greve da natureza!

publicado por animalsapiens às 12:45

28
Jul 12

A pergunta pode parecer fora de propósito, mas não é. Liberdade para fazer o que se quer ou o que se deve? Ser livre é poder fazer tudo que se quer? Quais os limites da liberdade? Há limites para a liberdade? Daria para enfileirar um série de questionamentos sobre a liberdade, mas esses já são suficientes para se pensar, e não pretendo ter respostas para essas questões. Mas uma coisa é certa, ser prisioneiro do medo é a mais terrível privação de liberdade, mesmo andando livremente pelas ruas de qualquer cidade.

 

Hoje, mais que em qualquer outra época da história humana, somos prisioneiros do medo, e o medo manda. Criamos uma sociedade onde quem sabe manipular o medo individual ou coletivo, tem o poder. Esse medo líquido, conforme diz o sociólogo Bauman, que traz a desconfiança, a incerteza, a insegurança, o medo do outro só por ser outro, o não-eu. Mas, e nos casos em que a pessoa tem medo de si mesma?

 

Hora de redescobrir ou reinventar a liberdade, fora dos parâmetros impostos pela moral vigente. Sair do rebanho ... talvez por aí se encontre ou se invente a liberdade.

publicado por animalsapiens às 12:21

25
Mai 12

 

“Não temo a morte. O pior da morte – isso sim dói – é que a pessoa estava e de repente deixou de estar, se acabou. Creio que a esperarei muito pacificamente, tenho consciência de que a vida não pode ser muito mais longa. Terei mais três ou quatro anos, talvez menos, mas não há problema”. (Ópera Mundo, junho de 2009)

“Acho que na sociedade atual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de reflexão, que pode não ter um objetivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objetivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem idéias, não vamos a parte nenhuma”. (Último post do site http://caderno.josesaramago.org).

image017

JOSÉ SARAMAGO (1922 – 2010)

http://www.varaldeideias.com/1/?p=414

publicado por animalsapiens às 12:22

20
Mai 12
Um post interessante, oportuno e atual !

Vale lembrar que o Iluminismo do século 18 deixou três vertentes, herdeiras de sua 'racionalização' do mundo e da vida, nos principais aspectos da sociedade: o Marxismo, pelo aspecto político-econômico; o Espiritismo, no que diz respeito à fé/religião, e o Evolucionismo, no campo da ciência. Isso dá interessantes reflexões !!

Paulo S.
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Novo post em blog do ozaí

O marxismo é religião?

by Antonio Ozaí da Silva

Certa feita, num evento acadêmico, causou acirrada polêmica e furor um comentário sobre as afinidades eletivas entre marxismo e religião. Não foi meu intuito afirmar que o marxismo em geral é uma espécie de religião laica. Apenas chamei a atenção para o fato de que determinados comportamentos, observados em minhas vivências, muito se assemelham a uma forma religiosa de conceber e praticar uma ideologia. Outro dia, por exemplo, a fala de um companheiro, seu tom de voz e gesticulações, aliado ao conteúdo sectário da sua mensagem, mais me parecia uma pregação profética de verdades dogmáticas. Contribuía até mesmo a aparência física do falante, com sua barba branca que assinalava o passar dos anos. Era um discurso de fé e defesa da ortodoxia. Mais parecia que estava diante de um profeta falando para discípulos convertidos. E não é uma questão de idade. Noutra ocasião, observando um jovem acadêmico a defender o marxismo, tive a impressão de estar perante um sacerdote neófito.

Compreendo a paixão que move uns e outros, mas parece-me que são tênues os limites entre a adesão voluntária e racional a uma determinada ideologia – um ismo qualquer – e a transubstanciação desta em uma crença ortodoxa, à maneira religiosa. Parece-me, portanto, que, em determinados contextos, as ideologias laicas adquirem caráter religioso. Então, seus profetas, pequenos sacerdotes e seguidores, acríticos e papagaios de slogans, agem à maneira dos grandes e pequenos inquisidores. E se não nos lançam na fogueira da inquisição laica é, simplesmente, porque não tem o poder.

Felizmente, este tipo de comportamento não é geral. No entanto, parece-me que há uma certa vinculação entre fé e ideologia. É uma hipótese. Será que as ideologias embutem em si um certo messianismo? Não expressam o desejo humano de construir o paraíso aqui na terra? Estou convencido de que os sonhos de sociedades perfeitas são perigosos. O ser humano real é imperfeito. As sociedades criadas pelo humano são imperfeitas. Imaginar a ordem social perfeita é idealismo – ainda que em nome do materialismo dialético.

Bem sei que há marxistas que não são dogmáticos nem agem à maneira religiosa. Mas também há a patrulha ideológica que, diante de qualquer possibilidade de crítica ao cânone, logo buscam os rótulos políticos – quando não o mero xingamento – para afastar os críticos. De qualquer forma, estas reflexões me fizeram lembrar a leitura de Tempos interessantes: uma vida no século XX, do historiador marxista Eric J. Hobsbawm. Neste livro, Hobsbawm faz referências a termos próprios da religião. Por exemplo, ao analisar o Movimento Comunista Internacional após a morte de Stalin, escreve:

“Embora a Igreja Comunista Universal tivesse feito surgir diversos grupos cismáticos e hereges, nenhum dos grupos rebeldes que ela gerou, expeliu ou matou jamais conseguiu estabelecer-se além do âmbito local como rival, até que Tito o fizesse em 1948...” (p. 226).[1]

O marechal Josip Broz Tito, dirigente máximo da ex-Iuguslávia socialista, foi “excomungado” da “Verdadeira Igreja”, até que, em 1955, houvesse a reconciliação com Kruchev. E os comunistas que tiveram que aceitar a excomunhão, agora se viam obrigados a reconsiderar.

Segundo Hobsbawm, “Para os jovens revolucionários de meu tempo, as manifestações de massa eram equivalentes às missas papais para os católicos devotos” (p. 354). É muito interessante o seu depoimento sobre o significado do ser comunista naquela época:

“Para os que, como eu, se tornaram comunistas antes da guerra, e especialmente antes de 1935, a causa do comunismo era em verdade algo a que pretendíamos dedicar nossas vidas, e alguns de fato o fizeram. A diferença crucial veio a ser entre os comunistas que passaram a vida na oposição e aqueles cujos partidos tomaram o poder, e que portanto se tornaram direta ou indiretamente responsáveis pelo que ocorreu em seus regimes. O poder não corrompe necessariamente as pessoas como indivíduos, embora não seja fácil resistir a sua corrupção. O que o poder faz, especialmente em tempos de crise e de guerra, é tornar-nos capazes de realizar e justificar coisas inaceitáveis se fossem feitas por indivíduos privados. Para os comunistas como eu, cujos partidos nunca estiveram no poder nem metidos em situações que exigissem decisões sobre a vida ou a morte de outras pessoas (resistência, campos de concentração), as coisas foram mais fáceis” (p. 150).

Ser comunista nesta fase, segundo o título da autobiografia de Giorgio Amendola, líder comunista italiano antes da guerra, era “Uma escolha de vida” (Una scelta di vita) (p. 150). Exigia dedicação plena ao partido:

“O “partido de vanguarda” leninista era uma combinação de disciplina, eficiência executiva, completa identificação emocional e um sentimento de dedicação total” (p. 155, grifo do autor).

Um exemplo ilustrativo da “fé” no partido é o depoimento de um amigo do autor, Tedy Prager, sobre uma militante comunista, Freddie, que ficou presa sob uma viga após a detonação de uma bomba inimiga despejada em Cambridge, durante a Segunda Guerra Mundial, mas precisamente em 1941:

“Ela gritava que o fogo estava queimando seus pés, e eu continuava a dar machadadas na viga, mas nada acontecia. Pobre Freddie... Não adianta, ela agora gritava, vou morrer. E então, enquanto as lágrimas me vinham aos olhos devido ao desespero e à fumaça, tão exausto que não conseguia levantar o machado, ela bradou: Viva o Partido, viva Stalin... Viva Stalin, gritava ela, e adeus rapazes, adeus Tedy” (citado p. 155).

Segundo Hobsbawm:

“Freddie não morreu, mas teve as pernas amputadas. Na ocasião, nenhum de nós consideraria surpreendente que as últimas palavras de um membro moribundo do Partido fossem para o Partido, para Stalin e para os camaradas. (Naquele tempo, a idéia de Stalin entre os comunistas estrangeiros era tão sincera, tão natural, tão imaculada pelo que se soube depôs, e tão universal quanto a genuína dor que sentimos em 1953 por ocasião da morte de um homem que nenhum cidadão soviético desejaria – ou ousaria – chamar por um apelido como “tio Joe” na Inglaterra ou “Bigodudo” [Baffone] na Itália. Nossas vidas eram para o Partido. Devíamos tudo o que tínhamos e recebíamos de volta a certeza de nossa vitória e a experiência da fraternidade” (p. 155-156).

“Aceitávamos a absoluta obrigação de seguir a “linha” que nos era proposta, mesmo se discordássemos dela, embora fizéssemos esforços heróicos para nos convencer de sua “correção” intelectual e política a fim de defendê-la, como se esperava de nós. Ao contrário do fascismo, que exigia abdicação automática e submissão à vontade do líder (“Mussolini sempre tem razão”) e o dever incondicional de obedecer a ordens militares, o Partido – mesmo no auge do absolutismo de Stalin – apoiava sua autoridade, pelo menos em teoria, no poder de convencimento da razão e do “socialismo científico”. Afinal de contas, supunha-se que fosse baseado numa “análise marxista da situação”, que todos os comunistas deveriam aprender a fazer” (p. 156).

A dedicação abnegada ao partido era plena e incluía, inclusive, aspectos da vida privada e sentimental:

“Fazíamos o que o Partido nos mandava fazer. Em países como a Grã-Bretanha ele não nos requisitava nada de muito dramático. Na verdade, não fosse sua convicção de que aquilo que faziam estava salvando o mundo, os comunistas poderiam sentir-se entediados com as atividades rotineiras de sue Partido, conduzidas segundo o ritual costumeiro dos movimentos trabalhistas ingleses (camarada presidente, minutas de reuniões, relatório de tesoureiro, resoluções, contatos, vendas de livros, e tudo o mais) em casas particulares ou salas de reunião pouco acolhedoras. Mas obedeceríamos a quaisquer ordens que o Partido nos desse. Afinal, a maioria dos quadros soviéticos e do Komintern, no período do terror stalinista, que sabiam o que os esperava, acataram a ordem de regressar. Se o Partido mandasse abandonar o amante ou o cônjuge, obedecia-se. Após 1933 o Partido alemão no exílio ordenou a Margaret Mynatt (mais tarde inspiradora das Obras completas de Marx e Engels em língua inglesa) que fosse de Paris para a Inglaterra, pois precisava de alguém em Londres, e, como a entrada de comunistas alemães conhecidos era negada, foi necessário contar com um camarada com documentação britânica válida. Sem um momento de hesitação ela abandonou o amor de sua vida (assim me disse ela mais tarde) e partiu. Nunca mais o viu (ou seria a viu?) novamente” (p. 156-157).

“Era impensável qualquer relacionamento sério com quem não fosse membro do Partido ou estivesse para ingressar (ou reingressar)” (p. 157).

Este também foi o caso do primeiro casamento do autor:

“Naturalmente ela era também comunista; filiou-se ao Partido quando casamos – naquela época eu consideraria inconcebível casar com que não fosse membro do Partido...” (p. 200).

“Confesso que no momento em que percebi ser capaz de imaginar uma verdadeira relação com alguém que não fosse recruta potencial do Partido compreendi que já não era mais comunista no sentido integral de minha juventude” (p. 157).

Ser comunista pressupunha um ethos, uma moral revolucionária, uma conduta objetiva e subjetiva, a fé no socialismo e no partido:

“Nesses tempos a sociedade deles é uma versão em miniatura da sociedade ideal, na qual os homens são irmãos e sacrificam tudo pelo bem comum sem abandonar sua individualidade. Se isso é possível no âmbito do movimento, por que não será possível em toda parte” (p. 158).[2]

“A essa altura eu havia reconhecido, com Milovan Djilas, que tratou extraordinariamente vem da psicologia dos revolucionários, que “essa é a moralidade de uma seita”, mas que isso é precisamente o que lhes deu tanta força como impulsores da mudança política” (p. 158).

Hobsbawm enfatiza que “o comunismo representou o ideal de transcender o egoísmo e servir toda a humanidade sem exceção” (p. 160). Isto exigia sacrifícios:

“Dureza, até mesmo falta de piedade, fazer o que tinha de ser feito, antes, durante e depois da revolução, era a essência do bolchevique. Era a reação necessária aos tempos” (p. 160-161).

“Na guerra total em que estávamos metidos, não nos perguntávamos se deveria haver limites aos sacrifícios impostos a outrem, mais do que a nós mesmos. Como não estávamos no poder, nem era provável que chegássemos a ele, esperávamos ser prisioneiros, mais do que ser carcereiros” (p. 161)

“Havia partidos comunistas e seus funcionários, como André Marty que aparece em Por quem os sinos dobram, de Hemingway, que se orgulhavam de seu bolchevismo “duro como aço”, e não menos o Partido Comunista soviético, no qual este se juntava à tradição absolutista de poder ilimitado e à brutalidade da existência russa cotidiana para produzir as hecatombes da era stalinista” (p. 161-162).

“... a prova de sua devoção à causa era a disposição de defender o indefensável.[3] Não era o credo cristão Credo quia absurdum (“acredito porque é absurdo”), e sim o constante desafio: “Podem me experimentar mais: como bolchevique, eu não sucumbo” (p. 162).

A fé pressupõe unicamente a crença. Não há algo de religiosidade neste ethos comunista? O leitor pode argumentar que o depoimento de Hobsbawm se refere ao período stalinista, ao período do culto à personalidade. Tem razão. Mas será que o culto aos líderes, a transformação da teoria dita revolucionária em dogma e a defesa da ortodoxia são aspectos restritos ao predomínio do “guia genial dos povos”? Afinal, há ou não manifestações ideológicas autodenominadas marxistas que mais se assemelham a seitas religiosas? Há ou não afinidades eletivas entre marxismo e religião? Qual a sua opinião, caro leitor, cara leitora?


[1] Todas as citações são de: HOBSBAWM, Eric J. Tempos interessantes: uma vida no século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2002 (grifos meus).

[2] Esse trecho é citado pelo próprio autor e refere-se ao que escreveu logo após a crise de 1956, quando se “encontrava mais próximo das convicções da juventude” (p. 158).

[3] Hobsbawm se refere a Theodore Rothstein, fundador do PC britânico, que sofreu muito ao cair em desgraça aos olhos de Moscou.

Antonio Ozaí da Silva | 19/05/2012 at 23:23 | Categorias: marxismo, religião | URL: http://wp.me/pDZ7T-s8

 

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publicado por animalsapiens às 12:36

19
Mai 12

"Mas então ninguém percebe que matar em nome de Deus é fazer de Deus um assassino?"

José Saramago - Entrevista à revista "Época", em 2005:

publicado por animalsapiens às 12:50

13
Mai 12

É de se presumir que todos sabem que o dia das mães e equivalentes, são artimanhas do 'capital' para se manter. Com datas pré-estabelecidas ao longo do ano, o comércio fica sem períodos longos ocioso, por isso temos 'datas especiais' para promover o consumo apelando para as emoções. Em junho, será a vez dos corações apaixonados ... Assim caminha o capitalismo.

publicado por animalsapiens às 18:34

05
Mai 12

Santo Agostinho escreveu algo como: Ama e faça o que quiser. Isso significa que o amor é guia seguro. Ele fala do amor verdadeiro, não da paixão, do ciúme ou dos sentimentos possessivos tão comuns, e que costumam ser confundidos com esse estado de alma. Amar não é o mesmo que gostar ou estar apaixonado ... é mais. Dizem outros, os poetas principalmente, que só o amor é soberano; somente ele pode tudo !

publicado por animalsapiens às 11:15

29
Abr 12

Novo post em blog do ozaí

O sofrimento

by Antonio Ozaí da Silva

 

O grito (Skrik), pintura de Edvard Munch (1893)

Sofrer é um verbo que se conjuga na primeira pessoa. Ninguém pode expressar a intensidade do sofrimento do outro. Sim, pode-se sofrer juntos; sofremos, portanto! Mas não é possível sentir o que o outro sente. A dor que sinto é minha e de mais ninguém. “A verdade da dor reside naquele que a sofre”, afirma Alain Corbin.* Mas, se houvesse como medir, qual dor é mais pungente: a física ou a psíquica? É preferível a dor do corpo ao tormento da alma?

Há quem faça questão de mostrar que sofre. Chegam a causar um certo mal-estar; cronicamente deprimidos, parecem não suportar a alegria manifestada ao seu redor. No limite, parecem culpar os demais pela própria situação. São carentes egoístas. É-lhes quase que insuportável não receber todas as atenções que acreditam merecer. Querem afagos ao ego, não suportam a crítica. São imprevisíveis e frágeis como cristal. Diante deles, o melhor a fazer é manter o silêncio.

O sofrimento não é privilégio de ninguém. Não nos tornamos especiais porque sofremos, pois cada ser humano está sujeito a sofrer e sofre a seu modo. Se uma pessoa não chora no funeral do ente amado não significa que não tenha sentimentos, que não sofra. Quem sabe sua dor seja ainda mais intensa por não se manifestar. Talvez seja mais sensato e respeitoso sofrer silenciosamente e suportar a dor no recôndito da alma. Por que, por exemplo, o aluno deve suportar o mau humor do professor se também sofre e as razões do seu sofrer são desconhecidas para o docente? O aluno e o colega de trabalho não são culpados do meu sofrer, nem são meus psicólogos. Devo, portanto, poupá-los e, perante eles, agir como profissional e cumprir a minha função da melhor forma possível. Se isto se revelar impossível, pois o sofrimento pode tornar-se insuportável, então devo me afastar da sala de aula para tratar da minha saúde psíquica.

O sofrer não me concede qualquer direito especial sobre os demais. Às vezes, agimos de tal maneira que afastamos as pessoas e, paradoxalmente, isto nos faz sofrer ainda mais. Em nosso egocentrismo imputamos a “culpa” à insensibilidade do outro, mas nos recusamos a olhar para dentro de nós mesmos e a fazemos a reflexão necessária sobre as nossas atitudes. Por que, em vez de cobrar o outro por não se adequar às nossas expectativas, não fazemos auto-análise? Será o receio de descobrir que o problema está no eu que anula a possibilidade do nós? Todos temos carências, todos precisamos e queremos atenção. O carente mórbido, no entanto, age como se carregasse todo o fardo do mundo. Ele deseja que permaneçamos em sua órbita, é o centro do mundo!

O sofrimento é inerente à existência humana. Uns sofrem por amar, outros por não serem amados; sofre-se pela separação ou por querer estar junto; sofre-se por amar demais e pela ausência do ser amado; sofre-se pela consciência da culpa e também por culpar; sofre-se, enfim, por motivos que, aos olhos dos outros, parecem banais. Um gesto, uma palavra, uma frase podem causar sofrimento. Mas também a ausência do gesto, da palavra e da frase pode fazer sofrer. Sofre-se pela morte dos que amamos, por ver o sofrimento físico e pela incapacidade de ajudar, etc. Em algum momento da vida, de uma forma ou de outra, todos sofremos. Não obstante, talvez mais dilacerante que o sofrer seja a consciência de ser o móbil do sofrimento do ser amado, quando o sentimento da culpa atormenta a alma.

Só a morte nos liberta de todo o sofrer! Quem sabe seja esta a principal mensagem que o suicida nos lega. Fico a pensar sobre a intensidade da dor, do sofrer que dilacera o corpo e a alma e a desesperança de quem comete o suicídio. Por isso, embora ame demais a vida e não recomende tal solução a ninguém, tento compreender este gesto!


* CORBIN, Alain. Dores, sofrimentos e misérias do corpo. In: História do corpo: da Revolução à Grande Guerra, sob a direção de Alain Corbin, Jean-Jacques Courtine e Georges Vigarello, Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.330.

Antonio Ozaí da Silva | 28/04/2012 at 22:13 | Categorias: reflexões do quotidiano | URL: http://wp.me/pDZ7T-rP

 

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publicado por animalsapiens às 12:34

17
Abr 12

"Os crimes cometidos por quem exerce a função de evitar a criminalidade devem ser punidos com penas dobradas - igualmente os cometidos contra crianças".

 

(in Memorial do Desterro, Lázaro Barreto, conto Assembleia dos excluídos; ed. pela Diocese de Divinópolis-Minas, 1995)

publicado por animalsapiens às 11:37

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