Para falar de gente, de seres humanos, do bicho humano perfectível, apesar de tudo. Do Animal sapiens, mas a partir de agora do "Homo spiritualis", com sua fé e religiosidade muitas vezes confusa, gerando preconceitos, discriminações.

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Novo post em blog do ozaí

O sofrimento

by Antonio Ozaí da Silva

 

O grito (Skrik), pintura de Edvard Munch (1893)

Sofrer é um verbo que se conjuga na primeira pessoa. Ninguém pode expressar a intensidade do sofrimento do outro. Sim, pode-se sofrer juntos; sofremos, portanto! Mas não é possível sentir o que o outro sente. A dor que sinto é minha e de mais ninguém. “A verdade da dor reside naquele que a sofre”, afirma Alain Corbin.* Mas, se houvesse como medir, qual dor é mais pungente: a física ou a psíquica? É preferível a dor do corpo ao tormento da alma?

Há quem faça questão de mostrar que sofre. Chegam a causar um certo mal-estar; cronicamente deprimidos, parecem não suportar a alegria manifestada ao seu redor. No limite, parecem culpar os demais pela própria situação. São carentes egoístas. É-lhes quase que insuportável não receber todas as atenções que acreditam merecer. Querem afagos ao ego, não suportam a crítica. São imprevisíveis e frágeis como cristal. Diante deles, o melhor a fazer é manter o silêncio.

O sofrimento não é privilégio de ninguém. Não nos tornamos especiais porque sofremos, pois cada ser humano está sujeito a sofrer e sofre a seu modo. Se uma pessoa não chora no funeral do ente amado não significa que não tenha sentimentos, que não sofra. Quem sabe sua dor seja ainda mais intensa por não se manifestar. Talvez seja mais sensato e respeitoso sofrer silenciosamente e suportar a dor no recôndito da alma. Por que, por exemplo, o aluno deve suportar o mau humor do professor se também sofre e as razões do seu sofrer são desconhecidas para o docente? O aluno e o colega de trabalho não são culpados do meu sofrer, nem são meus psicólogos. Devo, portanto, poupá-los e, perante eles, agir como profissional e cumprir a minha função da melhor forma possível. Se isto se revelar impossível, pois o sofrimento pode tornar-se insuportável, então devo me afastar da sala de aula para tratar da minha saúde psíquica.

O sofrer não me concede qualquer direito especial sobre os demais. Às vezes, agimos de tal maneira que afastamos as pessoas e, paradoxalmente, isto nos faz sofrer ainda mais. Em nosso egocentrismo imputamos a “culpa” à insensibilidade do outro, mas nos recusamos a olhar para dentro de nós mesmos e a fazemos a reflexão necessária sobre as nossas atitudes. Por que, em vez de cobrar o outro por não se adequar às nossas expectativas, não fazemos auto-análise? Será o receio de descobrir que o problema está no eu que anula a possibilidade do nós? Todos temos carências, todos precisamos e queremos atenção. O carente mórbido, no entanto, age como se carregasse todo o fardo do mundo. Ele deseja que permaneçamos em sua órbita, é o centro do mundo!

O sofrimento é inerente à existência humana. Uns sofrem por amar, outros por não serem amados; sofre-se pela separação ou por querer estar junto; sofre-se por amar demais e pela ausência do ser amado; sofre-se pela consciência da culpa e também por culpar; sofre-se, enfim, por motivos que, aos olhos dos outros, parecem banais. Um gesto, uma palavra, uma frase podem causar sofrimento. Mas também a ausência do gesto, da palavra e da frase pode fazer sofrer. Sofre-se pela morte dos que amamos, por ver o sofrimento físico e pela incapacidade de ajudar, etc. Em algum momento da vida, de uma forma ou de outra, todos sofremos. Não obstante, talvez mais dilacerante que o sofrer seja a consciência de ser o móbil do sofrimento do ser amado, quando o sentimento da culpa atormenta a alma.

Só a morte nos liberta de todo o sofrer! Quem sabe seja esta a principal mensagem que o suicida nos lega. Fico a pensar sobre a intensidade da dor, do sofrer que dilacera o corpo e a alma e a desesperança de quem comete o suicídio. Por isso, embora ame demais a vida e não recomende tal solução a ninguém, tento compreender este gesto!


* CORBIN, Alain. Dores, sofrimentos e misérias do corpo. In: História do corpo: da Revolução à Grande Guerra, sob a direção de Alain Corbin, Jean-Jacques Courtine e Georges Vigarello, Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.330.

Antonio Ozaí da Silva | 28/04/2012 at 22:13 | Categorias: reflexões do quotidiano | URL: http://wp.me/pDZ7T-rP

 

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publicado por animalsapiens às 12:34

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