Geraes de Minas
Confidências entre inconfidentes
Paulo R. Santos*
Ouro Preto: possivelmente, o cenário dessa conversa tão sigilosa quanto reveladora... (Foto: Dani Vargas) |
Lá pelos idos de novembro de 1788, um diálogo dessa natureza pode ter ocorrido diante dos acontecimentos que se precipitavam na Capitania das Minas Gerais:
- O senhor bem sabe dos riscos que todos os envolvidos correm? Vossa Mercê tem ciência de que nem os irmãos maçons poderão livrar todas as cabeças da forca se houver delação?
- Sim, meu caro capitão! Há entre nós os verdadeiros idealistas, mas não somos ingênuos ao ponto de não suspeitar da existência de infiltrados no movimento. Já sabemos de espiões franceses, holandeses e ingleses acompanhando tudo, à espreita de oportunidades de atenderem aos interesses de seus países.
- E nada será feito, Dr. Tomaz? Sabemos que o povo se levantará se for declarada a Derrama (cobrança compulsória dos impostos atrasados na Capitania), mas há quem desconfie dos portugueses e dos grandes devedores envolvidos no movimento. Será que se o cerco apertar poderemos contar com o Silvério, com o Pamplona, com o Maniti e o Malheiros? Cada um tem interesses próprios, dá para perceber nas reuniões !
- Quanto a isso, penso eu, nada podemos fazer caro capitão, a não ser com a vigilância dos demais sobre eles e com o silêncio até o ‘dia do batizado’ (senha combinada para o início do levante, isto é, quando o governador da Capitania desse a ordem final para a cobrança da Derrama). Mas não me agrada a falação aberta do Tiradentes sobre o levante, conclamando Deus e o mundo para a luta armada que se seguirá. Ele está a por o baraço no próprio pescoço e no pescoço dos demais envolvidos!
- Ele é um entusiasta, doutor, eu o conheço bem! Não vai ficar calado nem que o amarrem. Mas o senhor tem razão quanto à prudência nesses casos. Poucas vezes saí das Gerais, mas sei do que ocorreu nas ex-colônias inglesas na América do Norte e o que está a acontecer na França. A coroa portuguesa não terá misericórdia se o levante daqui for descoberto! Vai fazer dele um exemplo para as demais capitanias e colônias ! Eu não confio no Pamplona nem no Malheiros.
- Há que se vigiar, capitão. Os geralistas (gentílico anterior a mineiro), porque nasceram nessas terras, têm com ela um vínculo natural e profundo. Muitos ainda falam somente o nhengatu (língua criada pelos padres jesuítas - mistura de português e tupi -, e que foi muito usada como língua geral até a vinda da Corte para o Brasil). Raízes que pretendem manter para seus descendentes. Eu mesmo não nasci na colônia, mas a amo mais que a Portugal ...
- Mesmo entre os geralistas há os que vacilam. Muitos sabem da guerra dos emboadas, da insurreição de Felipe dos Santos e do morro da queimada, do morticínio dos índios e da perseguição aos quilombolas, principalmente do fim do quilombo do Campo Grande. Há medo no ar e cheiro de morte, Dr. Tomaz. Muitos se preocupam com suas famílias, parentes e amigos, filhos e filhas, mães ...
- Já combinamos negar tudo, capitão, caso haja delação da conjura. Se a negação conjunta não funcionar, os cabeças deverão minimizar o assunto e dizer serem conversas de tabernas, ocas e sem propósito, assuntos de gente bêbada, ... Ainda assim há risco, pois o governador pode não aceitar e determinar investigações, se já não o está a fazer... Aqui é o estopim, caro capitão, mas Pernambuco, Bahia, Rio e mesmo São Paulo estão a esperar os acontecimentos iniciais a partir daqui!
- Há sempre um alto preço a se pagar pela liberdade, Dr. Gonzaga. Os que como eu, aqui nasceram e cresceram estão cansados de trabalhar e pagar impostos tão altos, e sem direito sequer a produzirem aqui o que precisam ... nem mesmo sal ou tecidos comuns ... Comprar de Portugal o que os ingleses produzem é o fim!
- Volte para sua fazenda, capitão, e em suas andanças fique atento a qualquer movimentação estranha ou conversa suspeita. Envie um alerta indireto em poucas linhas, e através de um mensageiro de sua confiança, endereçado a mim ou ao Dr. Cláudio Manoel. Por agora, vou arejar um pouco conversando com minha noiva, minha doce Marília !
Sociólogo e editor do blog http://animalsapiens.blogs.sapo.pt/
* Transcopiado de: www.antijornalismo.blogspot.com.br - Ana Cláudia Vargas