Para falar de gente, de seres humanos, do bicho humano perfectível, apesar de tudo. Do Animal sapiens, mas a partir de agora do "Homo spiritualis", com sua fé e religiosidade muitas vezes confusa, gerando preconceitos, discriminações.

06
Jun 12

Uma página, antes que esqueça...

(Publicado em: Folha de São Paulo, 23-01-1994; Agência EFE, Março de 1990; ABC, 16-04-1990; Canarias7, 03-05-1990; El Comercio, 06-05-1990; Levante, 20-05-1990; La Voz de Galicia, 30-04-1990; Diario de Navarra, 29-04-1990; Córdoba, 29-04-1990; Ideal, 24-04-1990; Alerta, 25-04-1990)

Vai para sete anos (que jovens éramos então, todos nós...), fui de jornada até Valência de Espanha, aceitando o convite que me tinha sido feito para participar num encontro de intelectuais e artistas que ali se realizava, a pretexto do cinquentenário de uma outra grande e mítica reunião, o Congresso de Escritores Antifascistas em Defesa da Cultura, no longínquo ano de 1937. Não sendo eu daqueles congressistas que chegam, olham, passeiam, falam aos amigos e vão-se embora, escrevi e levei comigo umas quantas páginas, com a simples ideia de que entre as fortes opiniões que lá iria escutar, a minha, ainda que débil, também haveria de merecer a oportunidade de apresentar-se ao juízo da magna assembleia. Não o quis assim o destino, se não foi antes a conspiração dos mais fortes.

Ora, pensando hoje nas assombrosas e profundas mudanças por que está passando a Europa, e mais ou menos o mundo, quis o acaso que os já esquecidos papéis me voltassem às mãos, provocando-me para uma nova leitura, e, podendo ser, o reconhecimento das minhas razões de então e sua hipotética perdurabilidade nas condições do momento que vivemos. Tomo pois o essencial do que escrevi naqueles dias, fazendo votos para que a compreensão do pouco que conservei não venha a ser afectada pela falta do muito que tive de eliminar.

Começara o «Documento Fundador» daquele Congresso de 87 por afirmar que o Congresso de 37 havia sido «um acontecimento de alcance mundial, por muitas razões e alguma sem-razão». Julgando eu conhecer algumas das razões dessa importância, admitia com humildade ir ali aprender algumas mais, mas o que sobretudo esperava era que me fosse explicado em que consistia a «sem-razão» da importância dos acontecimentos em geral e daquele em particular. Evidentemente, estava de acordo em que uma reflexão crítica sobre o passado, se ali a íamos fazer, só teria pleno sentido se se abrisse ao futuro. Mas não acreditava que essa abertura viesse a ser possível e plenamente útil se não fosse esclarecido o que se me afigurava ser um preconceito de fundo, deduzível da forma e do espírito do tal «Documento Fundador», o de que os intelectuais dos anos 30 cultivaram falsos ídolos, erraram, cometeram enganos funestos, ao passo que nós, intelectuais dos anos 90, iríamos definir certezas, colocaríamos nos altares deuses autênticos e faríamos jura solene de permitir que só a verdade passasse a sair das nossas regeneradas bocas...

Dizia também o «Documento» que era hora de um esclarecimento teórico acerca do papel dos intelectuais e da exacta natureza do seu compromisso. Mas tal confiança em si mesmos não poderia deixar de suscitar o irónico reparo de que, pelos vistos, os intelectuais dos anos 30 não faziam a mínima ideia do que fosse o papel dos intelectuais e «a exacta natureza do seu compromisso»... Ora, acrescentava eu, é mais do que possível que no ano de 2037, talvez na mesma cidade de Valência, um outro congresso de intelectuais e artistas se reúna para debater, contra nós – repito, contra nós –, os nossos erros de agora, os ídolos falsos que cultivamos hoje, os enganos, acaso não menos terrivelmente funestos, que neste mesmo minuto estamos praticando, cada um de nós e todos juntos. O que não significava, claro está, que se devessem calar os actos, os erros e as injustiças, os mil crimes, tudo mais do que abundantemente sangrento, que é parte do deve-haver dos anos 30, na Europa e no mundo. Mas nunca o deveríamos fazer de um ponto de vista, também ele autoritário, de intelectuais que a si mesmos se arvoraram em juízes, possuidores, felizmente para eles, duma informação completa dos factos e sua decantação histórica. Porque, queiramo-lo ou não, somos já parte culpada do nosso tempo, e inevitavelmente seremos julgados daqui a cinquenta anos por essa culpa.

Bem mais sábio seria, propunha, examinarmos esses erros que estamos cometendo, e corrigi-los, se para tanto temos forças e coragem, ainda que a mesma sabedoria nos vá dizendo, como diz, que o erro é inseparável da acção justa, que a mentira é inseparável da verdade, que o homem é inseparável da sua negação. E eu não sei por que maravilhosas razões poderiam os intelectuais meus contemporâneos, maravilhosamente reunidos em congresso, decidir, do alto duma justiça maravilhosa e certamente abstracta, sobre verdades absolutas que os intelectuais dos anos 30 estupidamente ignoravam e que os intelectuais do século XXI modestamente terão de acatar...

Ressalvando o respeito que devia e continuo a dever a todas as opiniões em contrário, parecia-me que muito mais necessário que «um novo enfoque pluralista, mas teoricamente coerente, das relações entre política e cultura, tecnologia e valores morais, ciência e complexidade, compromisso e solidão criadora», como reclamava o «Documento Fundador» – mais urgente do que todas estas aparentes urgências seria um exame rigoroso do estado actual do mundo, e também o lugar, a parte, a culpa ou a responsabilidade que nele têm os intelectuais de hoje – de hoje, meus senhores, de hoje.

Afinal, os intelectuais dos anos 30 tinham muito menos dúvidas do que nós, que aparentamos tantas certezas. É graças a elas, suponho, que nos reunimos em congressos para definir «espaços culturais» e «fundar estratégias do fazer intelectual». Quando melhor faríamos em proclamar a necessidade duma insurreição moral dos intelectuais, sem distinção de alvos ou de épocas, e sem hierarquização absolutória ou condenatória dos crimes, e de quem os praticou ou está praticando. Sob pena, seja-me perdoada a banal metáfora, de lançarmos fora a criança no mesmo movimento com que nos dispomos a despejar a água suja do banho.

José Saramago

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http://josesaramago.blogs.sapo.pt/117387.html 

publicado por animalsapiens às 12:07

31
Mai 12
publicado por animalsapiens às 13:14

17
Mai 12

Alvorada Voraz

RPM

Na virada do século
Alvorada Voraz
Nos aguardam exércitos
Que nos guardam da paz
Que Paz?...

A face do mal
Um grito de horror
Um fato normal
Um êxtase de dor
E medo de tudo
Medo do nada
Medo da vida
Assim engatilhada...

Fardas e força
Forjam as armações
Farsas e jogos
Armas de fogo
Um corte exposto
Em seu rosto amor...

E Eu!
Nesse mundo assim
Vendo esse filme passar
Assistindo ao fim
Vendo o meu tempo passar
Hey!...

Apocalípticamente
Como um clip de ação
Um clic seco, um revólver
Aponta em meu coração...

O caso Morel
O crime da mala
Coroa-Brastel
O escândalo das jóias
E o contrabando
E um bando de gente
Importante envolvida...

Juram que não
Torturam ninguém
Agem assim
Pro seu próprio bem
Oh!...

São tão legais
Foras da lei
Sabem de tudo
O que eu não sei
Não!...

Nesse mundo assim
Vendo esse filme passar
Assistindo ao fim
Vendo o meu tempo passar
Hey!...

publicado por animalsapiens às 11:48

17
Abr 12

"Os crimes cometidos por quem exerce a função de evitar a criminalidade devem ser punidos com penas dobradas - igualmente os cometidos contra crianças".

 

(in Memorial do Desterro, Lázaro Barreto, conto Assembleia dos excluídos; ed. pela Diocese de Divinópolis-Minas, 1995)

publicado por animalsapiens às 11:37

15
Abr 12

“A humanidade não representa um desenvolvimento rumo ao melhor ou ao mais forte ou ao mais elevado tal como hoje se acredita. O ‘progresso’ é meramente uma ideia moderna, ou seja, uma ideia errônea. O valor do europeu de hoje fica muito abaixo do europeu da Renascença; não há qualquer relação necessária entre evolução e elevação, intensificação, fortalecimento” (F. Nietzche, in o O Anticristo).

 

Trecho transcopiado de: http://www.outraspalavras.net/2012/03/31/o-progresso-conduz-a-uma-vida-melhor/

publicado por animalsapiens às 17:48

11
Abr 12

O Estado Brasileiro no Banco dos Réus

Tribunal Popular da Terra organiza evento para debater a violação de Diretos Humanos pelos estados.

Acontece durante os dias 20, 21 e 22 de abril o seminário O Estado Brasileiro no Banco dos Réus, organizado pelo Tribunal Popular da Terra. Nele serão debatidas questões importantes, como a desocupação e militarização no Pinheirinho, a disputa por terras no território Guarani Kaiowá, megaeventos — remoções em Fortaleza por conta da Copa —, a ação da Cutrale em Iaras, Belo Monte e os militantes sociais ameaçados de morte.

O evento também tem como objetivo aproximar as pessoas [não envolvidas no assunto] do tema e problematizá-lo, uma vez que a banalização e a abordagem superficial — da mídia de massa — não potencializa a importância das questões, proporcionando o reconhecimento das violações ocorridas nos grupos, estimulando o rompimento e o olhar fragmentado sobre a opressão, criando uma rede de solidariedade das diversas lutas existentes contra as opressões. Para Givanildo Manoel, militante do Tribunal Popular da Terra, “compreender é a melhor forma de enfrentar e unir as organizações e lutadores das causas do povo”.

Para o encontro está prevista a participação de militantes de diversos estados: Minas Gerais, Pará, Acre, Amazonas, Distrito Federal, Paraná, Rio de Janeiro e todos os estados da região Nordeste. Também está confirmada a participação de Osmarindo Amâncio, companheiro de Chico Mendes e herdeiro do seu legado de lutas contra o desastre e destruição das florestas. O Tribunal atua, nestes e outros estados, por meio de uma rede articulada de organizações contra os casos de violação de direitos humanos e crimes praticados pelo estado, principalmente contra o povo pobre. Continuar lendo

publicado por animalsapiens às 11:44

02
Abr 12

Arquivo Nelson Mandela disponível online

Revisitando uma vida de mais de noventa anos, está desde há uma semana disponível online o Arquivo Digital Nelson Mandela. Resultado de uma colaboração entre o Nelson Mandela Centre of Memory e o Google Cultural Institute, este arquivo virtual permite percorrer vários momentos da vida de uma das figuras mais marcantes do século XX.

A página reúne fotografias, textos, pequenos vídeos, manuscritos, um conjunto de documentos agregados por temas que vão dos seus primeiros anos de vida até aos anos em que ocupou a cadeira de presidente da república, passando pelos negros anos de prisão ou por uma recolha de livros que lhe foram dedicados.

Arquivo Digital Nelson Mandela

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publicado por Fundação Saramago às 16:08

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publicado por animalsapiens às 18:30

30
Mar 12

 

por Paulo R. Santos

 

Ouvimos por toda parte que os políticos são todos iguais, em malícia, interesses pessoais, hipocrisia etc. Não é verdade, por isso é bom abrir esse pequeno comentário salvaguardando as poucas exceções – é verdade –, mas que garantem algum andamento nas questões pertinentes ao interesse público.

 

Quanto à pergunta do título, a resposta parece ser simples. Tanto do ponto de vista ético, quanto do ponto de vista intelectual, os políticos de hoje estão vários pontos abaixo, inclusive daqueles dos tempos da ditadura. Sem saudosismo, nostalgia ou coisas que o valham, a história o prova: os políticos do passado tinham suas ideologias, suas bandeiras, seus princípios, formação intelectual (não necessariamente acadêmica) e ética, concordemos ou não com eles, no todo ou em parte.

 

Mas, então, o que houve de lá pra cá? A resposta parece ser simples também para essa questão: a política (partidária) foi privatizada. Da Câmara dos Vereadores, passando pelas Assembleias estaduais ao Congresso Nacional (Câmara e Senado), a maioria dos parlamentares está a serviço de empresas, corporações, Bancos ou religiões.

 

A política em si é ruim? Claro que não ! Política é, sobretudo, a arte (arte mesmo!) da convivência, e só por extensão é o ato de gerir o bem público. Todas as nossas atitudes são ações políticas. Silenciar ou falar. Tomar partido ou (supostamente) ser imparcial, são posicionamentos políticos. Nada que deixamos de fazer, ou que fazemos, deixa de ser um ato político.

 

E a política partidária ? Esta sim, está comprometida com interesses de classe, casta, grupos, empresas etc. A política dos partidos é partidária por representar interesses de uma parcela da população e nunca de toda ela.

 

A democracia é o melhor modo de conviver ? Não necessariamente. O problema é que ainda não inventamos outra forma melhor, e não desenvolvemos senso moral suficiente para que cada um seja capaz de controlar interesses pessoais (autogestão) ou de grupos, e deixar o bem coletivo acima deles. Além disso, as outras modalidades de convivência resvalam facilmente para ditaduras, seja de 'esquerda' ou de 'direita'.

 

Que fazer com a má política em vigor e com os maus políticos no poder ? Buscar conhecimentos relacionado à civilidade e urbanidade, e respeitar as regras indispensáveis ao bom convívio social. Conhecer minimamente as regras do jogo político para votar melhor, e não se deixar enganar. Não vender ou trocar votos por favores, pois assim você não tem como cobrar nada do político, pois – afinal de contas -, você já foi pago !

 

E se eu não fizer nada e deixar como está para ver como é que fica ? Fazendo isso você renuncia ao direito de reclamar, já que não se comprometeu em nada com a vida coletiva. Se os impostos aumentarem; se novos impostos aparecerem; se empresas forem claramente beneficiadas pelo “poder público”; se seus “representantes” não o representarem, mas representarem a si mesmos; se serviços essenciais deixarem de ser oferecidos; se faltar segurança ou cuidados com a saúde e educação; se as mortes no trânsito aumentarem junto com a corrupção política; se a incompetência administrativa se tornar um câncer ainda maior na máquina pública, … continue deixando como está até ver com fica !

 

 

publicado por animalsapiens às 13:20

08
Mar 12

Todos os dias são dias masculinos e femininos, mas é justo que haja um dia dedicado a relembrar o episódio que levou à morte 129 mulheres, fechadas num barracão em uma fábrica de Nova York, em 1857, pelo simples fato de reclamarem melhores condições de trabalho. Foram trancadas lá dentro e atearam fogo, matando-as.

 

Mas a violência contra a mulher perdura, com escassos avanços e muitas mentiras, inclusive a da emancipação. Estão emancipadas para trabalhar mais ganhando menos, e gastando mais (consumindo) nesse sistema que vive do lucro e do engodo, além de terem seus corpos mercantilizados pelos novos mercadores de escravas e, muitas vezes, usadas como isca para vender produtos.

publicado por animalsapiens às 10:56

03
Mar 12

Occupy Wall Street revela poder da "nova classe trabalhadora"

Sobre David Harvey: "De passagem pelo Brasil para três conferências e lançamento de um novo livro, o renomado geógrafo marxista inglês aponta as relações históricas entre o capital e o processo de urbanização, relaciona o processo de acumulação das corporações ao mercado imobiliário e vê os movimentos urbanos, da Comuna de Paris ao Occupy Wall Street, como um vetor poderoso para luta pelo socialismo e a justiça social." Aqui.


http://www.oficinadesociologia.blogspot.com

publicado por animalsapiens às 13:26

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