Cartas, afetos, amigos
A rápida evolução tecnológica dessas últimas décadas deixou muita gente para trás, por assim dizer. É inquestionável o efeito dessa revolução no campo dos costumes e da vida humana. O uso crescente de meios eletrônicos na comunicação e inter-relação, paradoxalmente aproxima e distancia as pessoas.
Através dos microcomputadores os filhos da classe média têm acesso a todo um universo novo de informações, embora não necessariamente de conhecimentos. Facilidades até bem pouco tempo inimagináveis são hoje possíveis e acessíveis a certa parcela importante da população. Diante de um teclado ou de um terminal de consulta se pode fazer coisas que antes demandavam bem mais tempo e esforço. É a síndrome da velocidade com seus prós e contras.
Mas, é preciso reconhecer que os efeitos colaterais negativos coexistem com os benefícios inegáveis dos avanços técnicos e científicos. Num país como o Brasil, onde a maioria da população é precariamente alfabetizada, e boa parte dela faz parte daquela comunidade de analfabetos tecnológicos, há um evidente efeito sobre a vida afetiva e no relacionamento entre as pessoas.
O hábito de ler não é comum em nosso país, e o de escrever cartas menos ainda. Se o uso do correio eletrônico, via Internet, facilita a vida de empresas, de um sem-número de instituições e profissionais de todos os tipos, a pessoa comum possui poucas possibilidades de comunicação à distância sem o telefone ou a carta manuscrita.
O problema é que a telefonia torna-se um serviço cada vez mais oneroso, apesar do crescente aumento de telefones, e mesmo os serviços do Correio convencional já não são tão acessíveis como antes. Telefones são usados quando necessário, e as cartas atendem ao indispensável, quando se trata da pessoa comum.
Durante séculos foi possível “ver” o outro, - o remetente, amigo, parente, esposa, amada etc., pelas linhas bem ou mal traçadas das cartas manuscritas, muitas vezes com os rabiscos e garranchos, cacoetes de linguagem e erros ortográficos e gramaticais que faziam parte do “outro”. A carta manuscrita é – ou era – um documento, uma parte de alguém que se lembrava de outro alguém distante.
Nunca foi incomum cartas manchadas com lágrimas, com alterações de caligrafia em virtude do estado emocional de quem as escrevia. Uma carta trazia mais que palavras alinhavadas e informações. Emoções nas linhas e entrelinhas, um algo disfarçado aqui e ali, uma declaração de afeto ou ressentimento de forma objetiva ou subjetiva, e tantas coisas mais.
Agora, na era digital e em plena Idade Mídia, as coisas tornam-se superficiais, artificiais e pasteurizadas. Cartas e mensagens padronizadas, corretor ortográfico etc. Os vínculos sociais, familiais e afetivos, enfim, se afrouxam, os contatos eletrônicos não suprem o calor e a “vibração” do outro ausente, embora seja um sucedâneo, talvez um placebo emociona
Nem tecnofobia, nem tecnomania. Será preciso aprender a conviver com o lado bom dos avanços e benefícios do conhecimento técnico-científico, mas sem perder a humanidade, aceitando passivamente a automatização da vida humana.